A diretoria e 21 dos mais de 40 artistas associados da Acap (Associação Catarinense dos Artistas Plásticos) finalizam os detalhes de mais uma exposição - a quarta realizada na Capital em comemoração aos seus 50 anos. A coletiva, “Combinações entre a Natureza e Artifício - Ressignificações da Obra de Pedro Paulo Vecchietti”, abre na terça-feira (7 de outubro), às 16h30, na Galeria Municipal de Arte, que tem como patrono o próprio homenageado, um dos oito fundadores da associação.
“É uma honra pra família ter esta dupla homenagem ao artista Vecchietti. Ele adorava quando havia releitura de suas obras, pois o aproximava do pensamento de outros artistas plásticos”, frisa um dos seus quatro filhos, Paulo Renato Vecchietti.
Ele lembra que embora a tapeçaria tenha sido a maior marca do pai, seu coração pendia mesmo para as ilustrações gráficas (vinhetas), pois ali era o início da criação. Depois, estas vinhetas podiam virar tapetes. Paulo Renato diz que vai avaliar as condições de saúde da mãe, Marlytt, que está com 89 anos, para que ela possa comparecer à exposição.
As seis exposições de 2025 e o lançamento de um livro sobre os 50 anos, enfatiza o presidente Gelsyr Ruiz, foram planejados para que a Acap possa reverenciar a história de seus fundadores e parceiros, ao mesmo tempo em que abre espaço para os novos talentos, alguns deles nem nascidos quando a associação foi fundada. A curadoria do projeto é assinada por Meg Tomio Roussenq e Anna Moraes.
Gráfico por formação, Pedro Paulo Vecchietti deixou um legado na história da arte catarinense ao ser um dos pioneiros a incluir a tapeçaria e os grafismos entre as manifestações artísticas. Inspirados em sua trajetória, surgiram obras marcantes que podem ser conferidas da próxima terça-feira até 6 de novembro.
A arte gráfica das vinhetas em novas formas e nuances
Nascido em 1933, em Florianópolis, Pedro Paulo Vecchietti viveu e desenvolveu sua arte na terra natal. Morreu aos 60 anos, em 1993, deixando a viúva, Marlytt, os quatro filhos, Eugênio, Paulo Renato, Pedro Paulo e Maria Alice, e uma legião de admiradores.
Homem à frente de seu tempo, se inspirou no pai, cartógrafo e designer. Em uma época em que o processo gráfico era artesanal, inseriu os elementos gráficos em suas obras. E tornou-se uma espécie de mestre das vinhetas, além de também ter explorado a tapeçaria como poucos - técnica que começou a ser difundida no Brasil nos anos 1970 e 1980, revolucionando as artes visuais.
Vecchietti, que se dedicava às matrizes para reprodução em serigrafia, também explorou a técnica de bordado em talagarça e usou o tear, onde o desenho é tramado simultaneamente ao tecido. Durante mais de dois anos, os últimos de sua vida, ele trabalhou na reprodução das vinhetas em tear manual no atelier da artista visual Clara Fernandes.
O mergulho na obra de Vecchietti resultou em instalações, telas, cerâmicas, pinturas, bordados, colagens e tapeçarias se entrelaçando e abusando dos mais diferentes materiais. O artista Gavina, que vem explorando o urdume e a trama em papéis xilogravados para compor metáforas da natureza e de sua destruição, apresenta a “Olhar de Medusa”, em que chama atenção às questões urbanas atuais de Florianópolis, em especial nas discussões em torno do Plano Diretor e dos processos acelerados de verticalização da cidade.
“Fios e o caos do emaranhado cibernético”, da vice-presidente da Acap, Maria Esmênia, também evoca o caos urbano. Na obra, cabos de fibra óptica, fios elétricos, fios de cobre reaproveitados, roubados, queimados ou cortados, compõem uma trama cheia de falhas e impossível de desembaraçar totalmente, sintetizando uma crítica ao excesso de informação e ao colapso da comunicação. “Ressignifico Vecchietti incorporando seus fios como metáforas das redes invisíveis que sustentam a vida moderna”, observa ela, que usou a pesquisa de Elke Offe Hulse e Sandra Makowiecky, “O Ornamento de Pedro Paulo Vecchietti”, para criar a instalação.
Novamente trazendo a cerâmica como elemento principal, Dulce Penna criou “As Tramas da Vida”, onde mescla tapeçaria com cerâmica biscoito, queimada a 980°.
“Em Sangue da Terra”, o associado mais antigo da Acap, o atual tesoureiro Onildo Borba, usa um carpete como base, aplicando traços executados a pirógrafo, complementado com cores acrílicas para executar a combinação da exigência entre natureza e artifício, ao mesmo tempo em transmite uma advertência sobre a interferência humana em relação ao ambiente.
A preservação da cidade nos seus detalhes e em suas histórias
A coruja volta a protagonizar a arte de Ricardo do Rosário. Em “Simbologia Cósmica”, ele evoca o estudo de uma civilização pré-humana, dizimada por guerras. “Esta pintura a óleo representa esta simbologia, onde não há nenhum resquício de pré-humanidade, onde outros seres inteligentes viveram na Terra”, explica.
Do diálogo entre a obra de Vecchietti e sua pesquisa pessoal em aquarela, Gabriela Luft criou “Herbarium Architectonicum”. Inspirada por esse olhar atento e cuidadoso da cidade, assim como o artista criou uma gramática visual, ela criou um inventário imaginário, transpondo fachadas e ornamentos urbanos ao universo das espécies vegetais.
A série de Gabriela tem 12 aquarelas apresentadas como pranchas de um herbário. Em cada uma, um ornamento urbano acompanhado por um nome científico inventado. “Minha intenção é convidar o público a perceber a beleza que se revela nos detalhes. E a arquitetura da cidade merece cuidado e preservação.”
PULMÕES E OSTRAS
Da novíssima geração, Larissa Arpana criou “Vinhetas pulmonares em transmutação”, onde dialoga sobre Vecchietti por meio da obra dele em parceria com Clara Fernandes, a tapeçaria “Transmutação”. “Meu trabalho compõe-se de dois dípticos e uma peça retangular, em que apresento as vinhetas extraídas de meus próprios pulmões (por meio de tomografia) sob um fundo que remete às ondulações da casca de uma ostra – molusco frequentemente inserido em minhas produções artísticas”, explica.
A artista lembra que enquanto Vecchietti perseguia a simetria em suas vinhetas e composições, ela opta por escolher a assimetria inevitável de seus pulmões e seu corpo. “Se Vecchietti se inspirava na flora da Ilha em suas vinhetas, aqui apresento a flora íntima de minha natureza: não raízes ou folhas, mas órgãos. Uma cartografia interna, em que a assimetria e fragilidade do meu corpo é a minha potência criadora”, reflete.
“Pontos de Talento”, de Janete Machado, une a linguagem tapeceira com a poética. “Entre agulhas e linhas, o vazio da talagarça é preenchido com vibrantes cores. É o encontro entre arte e a exata matemática em milhares de pontos em criação. O manual ancestral unido ao contemporâneo.”
Em “Viver é bordar a própria história no tecido do mundo…”, Marilene de Orleans Casagrande traz inscrições rupestres, vinhetas da memória primordial da humanidade, guardando a presença dos povos originários, que gravaram na pedra sua relação com o sagrado, a natureza e a comunidade. Esses sinais deixados nas rochas e cavernas são vistos por ela como bordados ancestrais sobre o corpo da terra. “Assim como o lascar da pedra foi agulha primordial, o fio colorido sobre o pano dá corpo à memória, traduzindo formas que as palavras não alcançam. São vinhetas de tempo e território, costuras de pertencimento”, defende.
Maria de Minas optou por uma fotografia digital impressa em papel fotográfico no tríptico “Ornamenta”, que nasce de um gesto simples: erguer o olhar e alinhar o corpo ao centro. Ela fotografou lustres de igrejas e museus contra tetos ricamente decorados, exatamente no eixo central. As imagens receberam molduras amplamente decoradas por uma razão deliberada, um “duplo ornamento”: a moldura, ornato por direito, circunda a imagem de um objeto que é, ele mesmo, um dos representantes mais característicos da ornamentação.
NOSTALGIA
Miriam Porto volta a mexer com as memórias com “Toalha da Vó Maria”, um bordado em linha e pedraria, utilizando o ponto “smirna” em tapeçaria para redesenhar seus ícones. “Optei em utilizar uma antiga toalha de família, bordada com ponto “ajour” e em linha mercê crochê, que foi perfurada pelo tempo. Nela foram agregados pedrarias e símbolos do mar, como invocação da natureza, que também tem sido objeto de desgaste, não do tempo, mas da ação humana.
“A representação da natureza por Vecchietti foi pensada nesse trabalho como ponto de discussão e de mudanças de paradigma na relação entre homem e seu entorno, especialmente o mar. Dialogar com as obras de Vecchietti é desafiar os sentidos e mobilizá-los em direção ao contemporâneo”, afirma.
PARA VISITAR
Abertura: 7/10/2025, das 16h30 às 18h
Quando: de 8/10 a 7/11/2025, das 12h às 18h, de segunda a sexta-feira
Quanto: entrada gratuita
Onde: Praça 15 de Novembro, 180. Centro, Florianópolis
Autor(a): Rosiley Souza
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